Nunca houve um tempo na igreja em que se discutiu tanto sobre adoração. A verdadeira adoração. Um misto de certezas e pretensas verdades têm enchido diversos blogs, artigos e revistas falando sobre o tema. Líderes da igreja falam de forma aberta e desequilibrada sobre temas ao qual não cabem tendências preconceituosas, enquanto outros tantos seguem uma linha de escusa em buscar e aprender sobre todos os pontos envolvidos.
Texto após outro, o assunto bateria, percussão, instrumentos possíveis na igreja fica em voga. Mas não é exatamente sobre isso o tema desse texto. Dessa vez, o ponto que procuro tocar é sobre tradição. O que podemos discorrer sobre ela? Até que ponto as leis dos homens tem superado os princípios divinos?
Esse tema me ocorreu desde o momento em que li a melhor explicação para o verso de Lucas 5:37: "Ninguém deita vinho novo em odres velhos; doutra sorte o vinho novo romperá os odres, e entornar-se-á o vinho, e os odres se estragarão."
Ellen White comenta que os odres de couro usados como vasos para guardar o vinho novo, ficavam depois de algum tempo secos e frágeis, de tal forma que se tornavam inúteis para tornar a servir ao mesmo fim. Jesus queria mostrar a todos por meio dessa ilustração familiar, a condição dos guias judaicos e também a condição de muitos líderes em nossos dias.
“Sacerdotes, escribas e principais se haviam fixado numa rotina de cerimônias e tradições. Contraíra-se-lhes o coração como os odres de couro a que Ele os comparara. Ao passo que se satisfaziam com uma religião legal, era-lhes impossível tornar-se depositários das vivas verdades do Céu. Julgavam a própria justiça toda suficiente, e não desejavam que um novo elemento fosse introduzido em sua religião”[1]. (grifo nosso)
Eles foram tão longe, que chegaram a pensar que a Lei dada por Cristo a todo humano, era menor que a tradição judaica. Nada poderia ser adicionado ou ensinado sobre adoração e a verdadeira religião sem o consentimento deles.
“Relacionavam-na com méritos que possuíam por causa de suas boas obras. A fé que opera por amor e purifica a alma, não podia encontrar união com a religião dos fariseus, feita de cerimônias e injunções de homens. O esforço de ligar os ensinos de Jesus com a religião estabelecida, seria em vão. A verdade vital de Deus, qual vinho em fermentação, estragaria os velhos, apodrecidos odres das tradições farisaicas”[1].
Era o que Cristo ensinava uma nova doutrina? Não. Era apenas um novo ponto de vista, melhorado, imbuído do verdadeiro sentimento que deve estar em cada coração: que a lei tem a sua importância porque aponta para Cristo, o único que pode efetuar a salvação. A lei em si não salva ninguém. Muito menos a lei criada por mentes humanas.
Mas, partir desse ponto e dizer que a lei não é boa, é algo completamente equivocado. Ela deve ter seu lugar e sua maneira de ser (assim como nossas leis e estruturas humanas que regulam boa parte das nossas vidas), mas em certos momentos ela deve ser modificada, melhorada e por vezes superada. Porque existe e sempre existirá algo melhor. Isso de certa forma é crescimento. Mas, para os professos guardadores das tradições farisaicas e humanas, mudar uma lei humana ou uma tradição apoiada em um princípio divino, diziam eles que, indubitavelmente levariam a todos os novos guardadores a perdição.
Existe lugar para as tradições? Sim. É obvio. Homens foram criados por Deus com a capacidade de pensar e agir na direção destes. O grande problema existe quando esses pensamentos e a sua observação nos fazem afastar dos grandes princípios de Sua lei.
Observe por um momento as tradições humanas e as leis que nos são impostas. Devemos acatá-las? O próprio Jesus respondeu dizendo: “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” Marcos 12:17. Existe o momento em que leis e tradições são aceitáveis.
E eles têm seu lugar desde que não nos afaste ou mitigue contra os princípios divinos para toda vida. E o mais interessante notar é que essas leis normalmente são superadas. Veja a constituição de nosso país. Existem inúmeras cláusulas chamadas pétreas, que são assim descritas porque querem demonstrar a ‘perpetuidade’ da mesma, mesmo sabendo que, em casos excepcionais e diante do tempo e circunstâncias, a mesma pode deixar de valer.
Se forem assim para os negócios humanos, o que diremos pois para as imposições referentes aos negócios divinos? Que algumas leis humanas tiveram seu lugar nessa relação, mas que perderam sua utilidade ou deixaram de existir e que outras têm e terão o mesmo fim. Isso sem contar que algumas pretensas relações nem deveriam ser consideradas, visto que para alguns tinham mais importância que o Deus ao qual deveriam apontar e a salvação que Ele oferece a todos através de Sua graça.
E são exatamente estes pontos de pouca importância ou sem nenhuma importância prática para a salvação do homem que Satanás tem feito pessoas se concentrar. Este faz as pessoas esquecerem da primazia em toda vida e partirem para imbróglios sem importância quando se trata sobre a verdadeira adoração.
Ellen White comenta que sempre que pessoas em diferentes épocas e lugares tentaram superar tradições que não mais tinham seu lugar sofreram perseguições dos pretensos defensores da verdade. Assim foi com Jesus, assim com os discípulos, assim é hoje.
“Quando quer que se comece uma boa obra, há pessoas prontas a suscitar discussões sobre formas e detalhes de técnica, para desviar as mentes das realidades vivas. Quando parece que Deus está prestes a operar de maneira especial em benefício de Seu povo, não se empenhe este em disputas que só trarão ruína de almas. Os pontos que mais nos interessam, são: Creio eu com salvadora fé no Filho de Deus? Está minha vida em harmonia com a lei divina? ‘Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida.’ ‘E nisto sabemos que O conhecemos: se guardamos os Seus mandamentos.’ João 3:36; I João 2:3”[2].
Eis o verdadeiro ponto. Estou salvo em Jesus? Se amo a Deus e obedeço aos princípios tão claramente expostos em suas leis, estou em um bom caminho. Mas o que dizer das tradições?
“Não cessou ainda a substituição dos preceitos de Deus pelos dos homens. Mesmo entre os crentes acham-se instituições e costumes que não têm melhor fundamento que as tradições dos Pais. Essas instituições, baseadas em autoridade meramente humana, têm suplantado as de indicação divina. Os homens se apegam a suas tradições, e reverenciam seus costumes, nutrindo ódio contra os que lhes procuram mostrar que estão em erro. Nesta época, quando somos mandados chamar a atenção para os mandamentos de Deus e a fé de Jesus, vemos a mesma inimizade que se manifestava nos dias de Cristo”[2]. (grifo nosso)
Outro grande ponto que merece destaque é a pressa de alguns nas mudanças ou crescimentos naturais e necessários. São radicais ao ponto de envenenar toda e qualquer boa pretensão de homens guiados por Deus. Querem estar na “crista da onda” das mudanças, e esquecem novamente de concentrar-se no verdadeiro ponto focal: Jesus Cristo. Ele é quem deve aprovar ou não. Apenas nEle subsistimos. E apenas olhando para o mestre saberemos como agir nas situações que nos são impostas dia-a-dia.
A lei de Deus é imutável, mas foi feita para homens que mudam todos os dias, que não vivem dias lineares. Como diz o Sábio, “tudo é novo debaixo do sol”. Mas daí, para novos hábitos, é um caminho árduo, e que deve ser feito com todo cuidado e equilíbrio, assim como nos demonstrou Jesus.
Às vezes parece-nos que toda a obra do Divino Mestre foi feita em semanas. Nada disso. Começou antes da criação do mundo, levou milênios até vir a terra, e quando veio, passou anos até conseguir ensinar aos discípulos como distribuir ao povo o “vinho novo”. Essa é a síntese do crescimento. Não significa que devemos esquecer o que passou, e que voltar pra lá às vezes se faz necessário.
Sobre crescimento e mudanças, C. S. Lewis escreve com muita coerência:
“A visão moderna, a meu ver, envolve uma falsa concepção do crescimento. Somos acusados de retardamento porque não perdemos um gosto que tínhamos na infância. Mas, na verdade, o retardamento consiste não em recusar-se a perder as coisas antigas, mas sim em não aceitar coisas novas. Hoje gosto de vinho branco alemão, coisa de que tenho certeza de que não gostaria quando criança; mas não deixei de gostar de limonada. Chamo esse processo de crescimento ou desenvolvimento, porque ele me enriqueceu: se antes eu tinha um único prazer, agora tenho dois. Porém, se eu tivesse de perder o gosto por limonada para adquirir o gosto pelo vinho, isso não seria crescimento, mas simples mudança”[3].
O grande problema que enfrentamos hoje, por mais doloroso que possa parecer para alguns, é que o mundo precisa continuar. Querem alguns professos “puritanos” que se dizem defensores do verdadeiro sentido de adoração e do modo como devemos viver ao lado de Cristo, que este se dê como foi no passado, a algumas décadas atrás. Com saudosismo olham para lá e almejam que voltássemos no tempo.
Síntese absolutamente impossível. As próprias palavras divinas nos advertem dessa possibilidade em viver de reviver o passado. Cristo nos aponta para o presente com Ele e para um futuro glorioso. O passado, nesse contexto, deve servir como base para as realizações atuais. Em Oséias 6:3 Ele nos diz: “então conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor”.
Deus nos fez necessitados de conhecimentos a respeito DEle, e como é eterno e infinito, a nossa compreensão sobre Ele deve durar uma eternidade, e isso nos moverá sempre. Assim, viver limitado no tempo é gerar uma limitação da vida, porque a vida existe apenas NEle. O tempo muda, as coisas mudam, incluindo nossa percepção e modo de Vê-Lo. Porque mandar mensagens via pombo-correio, se o posso fazer através da internet? Veja, o conteúdo continua o mesmo, mas a forma de fazer mudou. E muitos ficam perdidos, isolados do mundo.
Esse é sem dúvida um dos maiores perigos em relação ao apego as tradições ultrapassadas. Também pode ocorrer a mecanização da adoração e da relação com Deus, já que a pessoa passa a achar que existem apenas maneiras pré-determinadas de fazê-lo. Pode ocorrer ainda certa perseguição aos que pretendem algo diferente. Basta olhar para o exemplo de Jesus. Quantas vezes foi Ele perseguido pelos ávidos defensores da moral, do bom e da verdade?
Mas, o continuar a conhecer a Deus abre novas oportunidades. Novo culto, nova adoração, novo contato, novas formas de ver coisas antigas. É o novo melhorando o que já passou, e amanhã o processo deve repetir-se.
Mas, para isso, é preciso que este crescimento, seja acompanhado com a presença do Espírito Santo, pois somente Ele sabe o verdadeiro caminho e a verdadeira necessidade, de forma que o verdadeiro crescimento (ou mudança) seja efetivo e benéfico.
Enfim, que as palavras escritas por Deus para a nossa vida em Filipenses 3:13,14 possam encontrar guarida em nosso coração quando tratarmos sobre o assunto tradição e renovação em nosso meio:
“... faço uma coisa: esqueço-me do que ficou para trás e esforço-me por atingir o que está diante de mim. Deste modo, caminho em direção a meta para obter o prêmio que Deus nos prometeu dar no céu por meio de Cristo Jesus."
[1] Livro: O Desejado de Todas as Nações, capítulo: Levi Mateus, Ellen G. White.
[2] Livro: O Desejado de Todas as Nações, capítulo: Tradição, Ellen G. White.
[3] Texto: Três maneiras de se escrever para crianças, C. S. Lewis.